Artigos Postado no dia: 26 agosto, 2024

UM GOLPE ÀS LIMINARES EM AÇÃO DE DESPEJO

No Código de Processo Civil de 2015, existem as “Tutelas de Urgência”, que têm por objetivo permitir que a parte interessada obtenha, in limini litis (ou seja, logo no início do litígio) um determinado provimento jurisdicional. Basicamente, é necessário mostrar a probabilidade do direito invocado e o perigo de prejuízo ou o risco ao resultado útil do processo. No Código que o antecedeu, o de 1973, havia a “Tutela Antecipada” e também a “Ação Cautelar”, cada qual para um tipo de pretensão, mas que também permitiam a concessão de liminares em situações de urgência. Tanto no CPC de 1973 (pela alteração de 1994), como no CPC de 2015, consta o requisito da reversibilidade, que indica não ser possível conceder uma liminar se houver risco de, em sendo necessário rever a posição, o estado das coisas pós liminar já ser irreversível.

 

Em paralelo ao sistema geral (seja aquele vigente em 1973, seja o atual de 2015), o Direito brasileiro apresenta microssistemas legais, que contêm hipóteses de concessão de liminares específicas para os temas que regulam. Por exemplo, a Lei que regula o Mandado de Segurança (que visa proteger direito líquido e certo contra ato ilegal ou abusivo de autoridade pública) tem seus próprios requisitos para concessão de liminar, de forma que, cumpridos esses requisitos, a liminar será concedida, não se aplicando aqueles requisitos legais do CPC. O Estatuto da Criança e do Adolescente é outro exemplo de microssistema, que apresenta também requisitos próprios para a concessão de liminares em certas situações de guarda. A situação repete em outros exemplos, como Ação Civil Pública para evitar ou interromper o cometimento da danos ambientais ou ao consumidor. E, enfim, outro importante microssistema é o da Lei de Locações.

 

Pois bem, a Lei de Locações, de 1991, no seu artigo 59, §1º, estabelece que, em algumas situações, “Concederseá liminar para desocupação em quinze dias”. Em 2009, houve importantes acréscimos na Lei, estabelecendo-se a concessão de liminares de despejo para situações antes não contempladas. Dentre as situações incluídas, uma das mais importantes é a seguinte: se ação de despejo foi movida em razão de falta de pagamento de aluguel e, além disso, o contrato não tiver garantia, o Legislador disse que “conceder-se-á liminar para desocupação”. Certamente o Legislador assim estabeleceu por perceber que não se justifica fazer o proprietário aguardar o longo tempo de um processo judicial, num cenário em que, não bastando estar o locatário inadimplente, praticamente há certeza de que os valores devidos (vencidos e que vierem a vencer durante o processo) jamais serão pagos, já que, como previsto na hipótese, o contrato não contém qualquer garantia prestada por eventual fiador. Assim, o juiz deve conceder a liminar, dizendo que o locatário deve pagar o débito (purgando a mora), sob pena de ser despejado liminarmente. Note-se que, sendo o devedor de alugueis um locatário, já há uma tendência enorme de ele não ser dono de um imóvel (do contrário, não estaria alugando…) que, no futuro, possa vir a ser penhorado para satisfazer o crédito referente aos alugueis impagos. Assim, durante o tempo de processo, o inquilino ocuparia o imóvel ‘de graça’ e, quando, ao final, desocupasse, não teria condições de pagar sua dívida, sendo prejuízo certo ao proprietário. Observando esse cenário, o Legislador determinou que, em tais situações, o Judiciário deve conceder liminar.

 

A lógica está em a própria Lei específica reconhecer que, em tal situações, a liminar deve ser concedida, pelo simples fato de haver o enquadramento do caso na hipótese legal. O próprio legislador já disse que, aos olhos dele (Legislador), se o inquilino não paga aluguel e o contrato não tem garantia, então é direito do proprietário retomar o imóvel via liminar. Não deve o juiz analisar se, aos seus olhos, a liminar deve ser concedida em tal caso. O legislador já disse que sim. Cabe ao juiz cumprir a Lei. Porém, de alguns meses para cá, Desembargadores do Tribunal de Justiça do RS têm rejeitado pedidos liminares de desocupação, dizendo que há risco de irreversibilidade, isto é, se concedida a liminar e desocupado o imóvel, mas, ali adiante, a decisão judicial for alterada, a situação já será irreversível, já que o locatário já terá saído do imóvel; portanto, não seria o caso de conceder liminar. Essa leitura do TJRS, contudo, parece estar equivocada. Primeiro, porque o requisito da ‘reversibilidade’ está previsto no CPC (regra geral), e não no microssistema da Lei de Locações (regra específica), de forma que a este não se aplica. Não bastasse isso, quando o legislador inseriu, no microssistema da Lei de Locações, as situações de concessão de liminar e nele não previu a ‘reversibilidade’ como um dos requisitos, certamente não foi por esquecimento, mas sim por entender que, em tais casos, o risco de a situação ser irreversível não é problema. Afinal, se o proprietário está pedindo o seu imóvel de volta, trata-se apenas de uma questão de tempo para ter o imóvel de volta; não se perca de vista que ele é o proprietário. Um dia o locatário sairá do imóvel; locações não são perpétuas. E, se por uma excepcionalidade assaz demasiada, houvesse um caso em que, mesmo não pagando o aluguel, algo de extraordinário ocorresse a ponto de se entender que ele deve permanecer no imóvel e por longo tempo, essa excepcionalidade, aos olhos do Legislador, não deve ser o norteador da regulamentação legal, de forma que, ainda assim, a Lei optou por não considerar a ‘reversibilidade’ como requisito.

 

Apesar da clareza que da lógica que subjaz à norma e apesar da inaplicabilidade de regras gerais para microssistemas específicos, infelizmente alguns Desembargadores do TJRS têm, sim, rejeitado liminares de despejo com base no risco de irreversibilidade. Em suma, a partir dessa leitura feita por tais Desembargadores, eles estão, na prática, extirpando do ordenamento jurídico brasileiro as liminares em ações de despejo. Estão revogando lei, mesmo sem serem legisladores. Espera-se que tais casos logo cheguem ao STJ e que, na instância superior, os Ministros orientem a correta aplicação da Lei, deixando claro que a reversibilidade não é um requisito para concessão de liminar em despejo.

 

Guilherme Pederneiras Jaeger

Sturmer, Corrêa da Silva, Jaeger & Spindler dos Santos Advogados


Artigos Relacionados