
O avanço tecnológico tem sido, historicamente, um motor do desenvolvimento humano. Desde a Revolução Industrial, passando pela digitalização das últimas décadas e chegando à inteligência artificial e à automação contemporânea, a inovação tem ampliado fronteiras, aumentado a produtividade e transformado profundamente os modos de vida. No entanto, se por um lado a tecnologia representa progresso, por outro, impõe desafios estruturais, especialmente para o mercado de trabalho.
A automação de processos produtivos, impulsionada por sistemas inteligentes, robôs e algoritmos, tende a reduzir a dependência do trabalho humano em tarefas repetitivas ou operacionais. Esse processo já é visível em diversos setores: linhas de montagem industriais, atendimento ao cliente, logística e, mais recentemente, áreas como diagnóstico médico e análise jurídica. A perspectiva de maior eficiência econômica leva empresas a investirem cada vez mais em substituições tecnológicas. Mas esse ganho de produtividade não é neutro: ele tem impactos sociais relevantes, especialmente sobre os trabalhadores menos qualificados e os países com estruturas econômicas desiguais.
Diante disso, uma reação instintiva seria a tentativa de frear o avanço tecnológico, regulando de forma restritiva sua implementação. No entanto, essa não parece ser uma alternativa viável, seja sob o ponto de vista econômico, seja sob o social. A tecnologia é parte de um processo globalizado e irreversível. Seu potencial para melhorar a vida humana é enorme: ela pode aumentar a segurança do trabalho, reduzir o esforço físico, melhorar a precisão de diagnósticos e ampliar o acesso à informação. O verdadeiro desafio, portanto, não está em interromper o seu avanço, mas pensar medidas de contenção dos efeitos indesejados que podem vir acompanhados desse desenvolvimento, de modo a fomentar um perfeito equilíbrio entre progresso técnico e preservação da dignidade humana no trabalho.
Nesse cenário, surge a necessidade de políticas públicas que promovam uma transição justa. O conceito, cada vez mais adotado em fóruns internacionais, implica em assegurar que a evolução tecnológica não se dê às custas de massas trabalhadoras deixadas à margem. Para isso, três eixos se mostram centrais: qualificação profissional, proteção social e instrumentos tributários equilibrados.
O primeiro deles, a qualificação, é fundamental. A automação não elimina o trabalho, mas o transforma. Novas funções surgem, muitas vezes com exigências técnicas mais sofisticadas. Investir em educação, capacitação e reconversão de trabalhadores é essencial para que a força de trabalho possa acompanhar as transformações do mercado. Essa responsabilidade deve ser compartilhada entre o Estado, as empresas e os próprios trabalhadores, mas exige um papel indutor por parte do poder público.
O segundo eixo envolve a proteção social. A substituição de empregos por máquinas pode gerar picos de desemprego estrutural e insegurança econômica. Para lidar com isso, é necessário fortalecer as redes de seguridade social e desenvolver políticas de amparo à renda durante períodos de transição. Isso não significa proteger postos de trabalho obsoletos, mas, sim, proteger as pessoas enquanto se adaptam a um novo cenário.
O terceiro eixo, por vezes negligenciado, é o da tributação. O atual sistema tributário, em muitos países, inclusive no Brasil, penaliza excessivamente o trabalho humano, com altas cargas sobre a folha salarial. Enquanto isso, os investimentos em automação muitas vezes recebem benefícios fiscais. Essa assimetria gera um incentivo econômico para substituir pessoas por máquinas. Repensar essa estrutura é urgente. Medidas como a desoneração da folha de pagamentos, a tributação de ganhos de produtividade advindos da automação e incentivos à manutenção e requalificação da mão de obra são estratégias possíveis e compatíveis com a eficiência econômica.
A Análise Econômica do Direito (AED) pode contribuir de forma relevante nesse debate. Ao investigar os efeitos práticos das normas jurídicas sobre o comportamento dos agentes econômicos, a AED permite projetar políticas mais eficazes. Não basta que uma norma pretenda proteger o emprego, ela deve criar os incentivos adequados para que isso ocorra de fato. O uso do sistema tributário como instrumento de indução comportamental se encaixa nesse raciocínio, pois permite orientar decisões empresariais sem impor proibições diretas.
Além disso, há um fundamento constitucional a ser considerado. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, inciso XXVII, estabelece como direito dos trabalhadores a proteção contra a automação, na forma da lei. Embora ainda não regulamentado, esse dispositivo revela um compromisso do Estado com a mediação entre avanço tecnológico e proteção social. Ele impõe um dever político e jurídico de formular mecanismos que garantam o progresso com inclusão. Não se pode esquecer que o STF, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) n.º 73, já ordenou ao legislativo a edição de lei regulamentadora, o que pode ocorrer com os Projetos que estão em trâmite: Projetos de Lei nº 4035/2019, 1091/2019 e 713/2024.
A tecnologia não deve ser vista como inimiga do trabalho humano, mas como uma aliada que precisa ser governada com responsabilidade. O enfrentamento dos riscos da automação não passa por frear a inovação, mas por moldá-la aos valores constitucionais de justiça social, dignidade e solidariedade.
Diogo Antonio Pereira Miranda
Sócio do escritório Stürmer, Corrêa da Silva, Jaeger & Spindler dos Santos Advogados
Advogado Trabalhista