
A legislação brasileira permite que, em determinadas situações, um credor consiga desconsiderar a personalidade jurídica da empresa que lhe deve dinheiro, para assim fazer sua pretensão executiva alcançar o patrimônio dos sócios da empresa. No Código Civil, a situação é regida pelo artigo 50. No Código de Defesa do Consumidor, é regida pelo artigo 28. Em torno disso, foram desenvolvidas as teorias que tratam desse importante tema, que é a Desconsideração da Personalidade Jurídica.
Em termos processuais, para que um credor possa redirecionar sua pretensão contra os sócios da empresa, é necessário que ele inicie um novo processo, chamado de Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, regulado pelo artigo 133, do Código de Processo Civil.
Considerando que o processo de execução contra a empresa dure anos e anos…, quantos anos teria o credor para pedir a Desconsideração da Personalidade Jurídica e direcionar seu pedido aos sócios? No contexto de o credor não ter deixado o processo contra a empresa ser extinto, esse credor tem “todo o tempo do mundo”! Isso mesmo, o prazo para pedir a Desconsideração da PJ não existe. É imprescritível. Essa é a orientação do Superior Tribunal de Justiça.
Diz o STJ: “Nos termos do entendimento desta Corte Superior, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, quando preenchidos os requisitos da medida, poderá ser realizado a qualquer tempo, não se submetendo, à míngua de previsão legal, a prazos decadenciais ou prescricionais” (AgInt no REsp n. 2.033.259/PR, DJe de 29/2/2024.)
Sem adentrar nos motivos que nos levam a entender que esta posição está equivocada e que deveria ser alterada, o foco do presente artigo é traçar um comparativo com uma situação bastante semelhante, que o próprio STJ julga de maneira distinta.
É caso de Execuções Fiscais. Quando a empresa não paga seus débitos fiscais, o Estado tem o facilitador de sequer precisar de um Incidente de Desconsideração da PJ, podendo apenas pedir, por simples petição, o redirecionamento da Execução Fiscal contra os sócios. E, assim, o sócio pessoa física virá “executado” e, então, seu patrimônio pessoal pode ser atingido.
O detalhe é que, para que se possa pedir o redirecionamento da Execução Fiscal aos sócios, o Estado tem prazo de 5 anos, a contar da data da citação da empresa no processo (ou, se o pedido for motivado em ato de fraude e que tenha sido posterior à citação, então o prazo conta da data do ato de fraude). Essa é a orientação do STJ, julgada em recurso repetitivo (Recurso Especial nº 1.201.993/SP), que formou o Tema 444.
Identificando-se alguma semelhança entre os temas (mas evidentemente sem ignorar que não são iguais – Tema 1209), não se pode deixar de notar a diferença de tratamento do STJ. Na prática, para que um credor civil busque a Desconsideração da PJ devedora e atinja o patrimônio dos sócios, não há prazo, sendo caso de imprescritibilidade. Já para que o credor fiscal redirecione sua pretensão executiva, a fim de não ficar limitado ao patrimônio da empresa devedora e poder atingir o patrimônio dos sócios, aí há prazo, e é de 5 anos.
É só mais um exemplo de incoerência do Judiciário.