Notícias Postado no dia: 7 fevereiro, 2024

O Julgamento do Tema 1.236 pelo STF e a possibilidade de alteração do regime de separação de bens em casamento e uniões estáveis de pessoas acima de 70 anos

Por Fernanda Piva

Em recente julgamento do Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) nº 1309642, datado de 01/02/2024, o Plenário da Suprema Corte definiu, de forma unânime, que o regime de separação de bens nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoas com mais de 70 anos, até então obrigatório, pode ser alterado pela vontade das partes, fixando a seguinte tese: “Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no art. 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes por escritura pública”.

De acordo com a decisão, para que seja afastada a obrigatoriedade do regime de separação de bens é necessário que as partes manifestem de forma expressa a escolha do regime diverso por meio de escritura pública, firmada em tabelionato; caso contrário, é aplicável o regime de separação de bens previsto no Código Civil.

Também ficou definido que pessoas acima dessa idade que já estejam casadas ou em união estável podem alterar o regime de bens, mas para isso é necessário autorização judicial (no caso do casamento) ou manifestação em escritura pública (no caso da união estável). Nesses casos, a alteração produzirá efeitos patrimoniais apenas para o futuro.

O ministro Luís Roberto Barroso, relator da matéria, argumentou que o dispositivo do Código Civil contraria a Constituição porque é discriminatório, quando o texto constitucional diz que deve-se “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”; mesma linha adotada pela ministra Cármen Lúcia, que referiu que a previsão de regime obrigatório no Código Civil teria caráter etarista, ou seja, discriminatória em relação às pessoas de idade avançada, o que é expressamente proibido pela Constituição Federal.

Não se ignora que o regime de separação de bens era obrigatório, no Código Civil de 1916, para aqueles acima de 60 anos e para aquelas acima de 50 anos. Quando da edição do Código Civil de 2002, foi mantida a obrigatoriedade para os maiores de 60 anos, a despeito do gênero. Em 2010, houve nova alteração legislativa para que a obrigatoriedade passasse a ser aos maiores de 70 anos. Esse olhar denota uma preocupação do legislador em proteger aquele que, pela idade, o Estado considera ser vulnerável; e denota que o legislador tem atualizado o limite de idade à medida que percebe que a proteção do Estado não mais é necessária para aquele patamar de idade, mas sim para o de idade mais avançada. Agora, o Supremo altera essa visão de ser necessária essa suposta proteção.

É importante destacar que, de acordo com a Agência do IBGE, o número de pessoas com 65 anos ou mais no Brasil cresceu 57,4% nos últimos 12 anos, o que representa estreitamento na base da pirâmide etária a partir dos anos 2000, reduzindo-se a população jovem e aumentando a população adulta e idosa.

Nesse contexto, de aumento das populações adulta e idosa no País em detrimento da população jovem, a possibilidade de opção pelo regime de bens nos casamentos ou uniões estáveis de pessoas acima de 70 anos representa a demonstração de que, pela leitura do Supremo, a Constituição Federal não permite ao Estado intervir na vida privada para fins de limitar o direito de tais pessoas à escolha do regime de bens em suas relações matrimoniais.

Assim, a possibilidade de alteração do regime representa um inegável avanço em relação à interpretação e o alcance das normas constitucionais que asseguram proteção especial ao idoso, na medida em que a idade, nesses casos, não representa um fundamento legítimo para obstaculizar a possibilidade de escolha pessoal dos cônjuges, que deve ser considerada tão-somente com base na capacidade para a prática dos atos civis.


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