Guilherme Pederneiras Jaeger
As ações de recuperação judicial, regidas pela Lei 11.101/2005, já são bem conhecidas no meio empresarial. A ideia consiste em permitir que uma empresa, que está sob dificuldades financeiras, obtenha uma moratória geral de seus credores, enquanto ela organiza um Plano de pagamento para quitar suas dívidas. Durante a moratória (180 dias – stay period, que muitas vezes é prorrogado) e a elaboração do Plano de pagamento, a empresa segue operando regularmente, sem que seus credores possam lhe cobrar. No avanço da RJ, a recuperanda apresenta o seu Plano, que será submetido à análise dos próprios credores, os quais, em Assembleia Geral de Credores, exercerão o direito de votar e decidir se aprovam ou não o Plano que lhes foi apresentado. Aprovado o Plano, conforme os quóruns definidos em lei, tem-se que, a partir de então aquelas dívidas que existiam no momento em que se pediu a RJ deixam de existir; e o que passa a existir é a dívida prevista no Plano aprovado, a ser paga nas condições previstas no Plano.
Os Planos apresentados em RJs, que nada mais são do que proposta de pagamento aos credores, costumam conter descontos (que chegam a 70%…80%), parcelamentos (que vão a 7 ou 8 anos), carências (que chegam a 2 anos), atualização baixa (que contempla juros até mesmo de 0% e índices insignificantes como TR), dentre outras proposições. Os credores, não raras vezes se sentindo aviltados diante de proposta que chegam a taxar de indecorosas, acabam se vendo em um difícil dilema. Cada um por si, exercendo seu voto e imaginando os que os demais votarão (ou mesmo abertamente conversando entre si para saber como votarão), precisam decidir se aprovam o Plano (em condições que jamais imaginariam aceitar a proposta de um devedor) ou se rejeitam o Plano (caso em que o Judiciário decretará a falência da empresa recuperanda).
Esse é um dilema bem frequente. Afinal, o credor não esperava uma proposta tão ruim de pagamento. Desconto de 70%, carência de 2 anos, parcelamento em 8 anos? Realmente é um péssimo negócio, que não seria aprovado em condições normais de negociação. Mas se votar contra e o Plano não for aprovado, a consequência será a falência da recuperanda, situação essa que talvez seja um ‘negócio’ ainda pior; isso porque, havendo a decretação da falência, aí sim as chances de recuperação do crédito passarão a ser ínfimas. Afinal, enquanto a empresa estiver operando, ela estará gerando receita com a qual poderá pagar os seus credores, mas, se quebrar e cessar as atividades, aí restará apenas apurar o seu ativo (que eventualmente houver) para venda em leilão, a fim de que os valores obtidos com a venda sirvam para pagar os credores (na ordem preferencial de trabalhista, fiscais…). Muito provavelmente nada sobrará aos credores que não sejam preferenciais. Enfim, é o dilema de decidir entre o “péssimo” e o “pior ainda”.
Mas o que não se pode esquecer é que, se a consequência de a falência ser decretada é ruim para o credor (que provavelmente não receberá seu crédito), certamente é pior para a recuperanda. O credor perde o crédito; a recuperanda perde sua empresa, seu negócio e seus sócios ficarão por anos vinculados à falência, inclusive sob risco de responsabilidade pessoal e até crimes falimentares. Logo, se o credor tem algo a perder, a recuperanda e seus sócios têm muito mais a perder. E isso significa que há espaço para negociação. Sim, pura e franca negociação, testando limites recíprocos.