
A expressão “inteligência artificial” é comumente utilizada de forma genérica, isto é, sem especificar a qual das suas disciplinas está se referindo. Neste trabalho, procurarei ser específico, ilustrando quais são essas disciplinas, para que servem e como (ou se) estão sendo utilizadas no e reguladas pelo Direito brasileiro, me baseando em doutrina, notícias, regras e casos jurídicos para tanto. Definido o destino, inicio a viagem.
Como disse, a expressão “inteligência artificial” é genérica, pois se refere a uma variedade de realidades diversas (ÁVILA, 2025 [2022], p. 55) ou, no nosso caso, a “disciplinas” diversas. Dentre as mais relevantes ao Direito e aos advogados, temos: (i) machine learning (ML); (ii) natural language processing (NLP); (iii) computer vision (CV); (iv) affective computing (AC); e (v) automated reasoning (AR).
ML é uma disciplina da IA que utiliza algoritmos para detectar padrões em dados e, com base nesses padrões, treina sistemas capazes de fazer previsões ou tomar decisões. NLP, por sua vez, é a disciplina da IA voltada a desenvolver sistemas capazes de analisar, interpretar, gerar e interagir com a linguagem humana em forma textual ou falada. A
disciplina CV permite aos sistemas analisar e interpretar informações visuais, como imagens e vídeos, para reconhecer objetos, pessoas, rostos, veículos, entre outros elementos visuais; se assemelha à disciplina AC que, analisando e interpretando expressões corporais, reconhece emoções específicas. AR, por fim, é a disciplina voltada a responder questões e tomar decisões a partir de dados diversos automaticamente, sem a intervenção humana (todas as definições derivam de HÄUSELMANN, 2022, pp. 48, 57, 58, 62 e 65, respectivamente).
Três dessas disciplinas são utilizadas no Direito brasileiro. Por exemplo, o Supremo Tribunal Federal, em 2024, lançou a sua nova inteligência artificial Maria (https://lnk.ink/QedKF), enquanto em 2025, o Superior Tribunal de Justiça lançou a sua, a STJ Logos (https://lnk.ink/XcWp3), bem como o TST, a Chat-JT (https://abrir.link/npiXW). As três contam com as disciplinas ML, NPL e CV para elaborar resumos de documentos (inclusive analisando imagens), minutas de decisões, analisar a admissibilidade de recursos e identificar demandas repetitivas.
Quanto à regulação da inteligência artificial pelo Direito brasileiro, contudo, ela ainda é precária. Atualmente, o seu uso pelo Poder Judiciário é de alguma forma regido pela Resolução nº 615/2025, do CNJ, que atualizou a Resolução CNJ nº 332/2020. Nesta Resolução, faz-se menção específica à ML (nas considerações, ao referir “aprendizado de
máquina”) e à CV (art. 22, § 2º). Essas disciplinas foram reconhecidas como meios válidos de produção de prova digital da jornada de trabalho por geolocalização (processo nº TST-ROT – 23218-21.2023.5.04.0000). Por fim, cabe mencionar o PL 2.338/2023 (Marco Legal da IA), já aprovado pelo Senado e atualmente em tramitação na Câmara
dos Deputados, que só faz uma menção superficial às disciplinas ML e AR no art. 4º, I.
A inteligência artificial se emancipou dos filmes: convive conosco no trabalho, em casa, na universidade; poderá se tornar nossa colega ou nossa competidora. Seja o futuro da sua relação com os humanos próspero ou catastrófico, cabe a nós compreendê-la. Encerro este trabalho esperando que eu tenha dado um passo nessa direção.
Bibliografia
ÁVILA, Humberto. Teoria da indeterminação no direito: entre a indeterminação aparente e determinação latente (2022). 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2025.
HÄUSELMANN, Andreas. “Disciplines of AI: An Overview of Approaches and Techniques”. In: CUSTERS, Bart; FOSCH-VILLARONGA, Eduard (edit.). Law and Artificial Intelligence – Regulating AI and Applying AI in Legal Practice. Asser Press, Springer-Verlag, Berlin, 2022.