Artigos Postado no dia: 31 janeiro, 2024

Horas extraordinárias e o caso sul-coreano: a importância na limitação das jornadas de trabalho

Notícias recentes sugerem que a Coreia do Sul, em 22 de janeiro de 2024, por meio de uma mudança interpretativa por parte de sua Suprema Corte, tenha normalizado jornadas de trabalho de 21,5 horas. Mas será que a situação é tão preocupante quanto parece?

 

A resposta é positiva. Embora haja um evidente tom de sensacionalismo e incompletude nas chamadas, a recente decisão abre uma perigosa brecha para uma jornada extenuante, e traz efetivos riscos à saúde dos trabalhadores.

 

Para se entender o contexto: em 2018 o limite máximo de horas laboradas por semana na Coreia do Sul foi reduzido de 68 para 52 horas semanais, sendo 40 horas “normais” e 12 horas de trabalho extraordinário. Em comparação, temos, no Brasil, uma duração “normal” do trabalho semanal de 44 horas (art. 7º, XIII, da CF/88), com uma limitação de duas horas extras diárias (art. 59 da CLT). Temos ainda, no Brasil, a necessidade de um descanso de onze horas entre uma jornada e outra, previsão constante no art. 66 da CLT.

 

Veja-se que, aqui, podemos ter um número até maior de horas semanais de trabalho do que na Coreia do Sul (como exemplo, considerando um trabalho de segunda-feira a sábado, há a possibilidade de se acrescer à carga de trabalho 12 horas extras, o que eleva a carga horária semanal para 56 horas). É claro que, tanto lá como aqui, há exceções que podem majorar ainda mais essa carga horária semanal, mas, por se tratar de exceção, não é o foco do presente texto.

 

O problema maior reside não na quantidade de horas semanais, que, como se viu, não foge do que se tem hoje no Brasil, mas na mudança da interpretação por parte da Suprema Corte sul-coreana, de modo a afastar a limitação de jornadas de trabalho de até oito horas, mantendo, apenas, a limitação semanal de 52 horas (considerando as 40 horas normais e as 12 horas extraordinárias). Isso significa a possibilidade de se majorar perigosamente a quantidade de horas laboradas em um dia.

 

Conforme o porta-voz do partido democrático (oposição) da Coreia do Sul, Park Hae-Cheol, um empregado poderia alcançar uma impressionante jornada de 21,5 horas. Claro, são apenas especulações, mas o fato é que a brecha existe e pode ser explorada. E o fato de ter sido mantida a limitação semanal de 52 horas não afasta os riscos aos quais está exposto o trabalhador ao desenvolver o seu trabalho em tão extensa jornada.

 

Há estudos que demonstram a correlação entre horas extras e os acidentes e doenças do trabalho. Não se pretende aqui adentrar na especificidade desses estudos (se indica, aqui, o artigo elaborado pelo Ministro do TST Cláudio Mascarenhas Brandão, que pode ser visualizado no link https://hdl.handle.net/20.500.12178/13497), mas o fato de que um trabalhador que está em sua 11ª hora seguida de trabalho não possui os mesmos reflexos do que um que está em sua 2ª hora de trabalho é de facil constatação. Essa situação posta a um trabalhador que emprega sua força de trabalho em uma indústria ou a um que possui como atribuição dirigir veículo automotor representa o que comumente se trata como “tragédia anunciada”. 

 

É importante que as empresas não descuidem do bem-estar do seu empregado. Em um mundo competitivo, qualificar e valorizar a mão de obra pode ser o diferencial. E a valorização da mão de obra não vem apenas com salários dignos, mas com condições dignas de trabalho em um ambiente seguro. Não por menos, a Constituição Federal traz, em seu inciso XXII do art. 7º, a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.

 

É por isso que as limitações de jornada de trabalho são tão importantes. Um meio ambiente de trabalho saudável e equilibrado é o fim a ser buscado pelas empresas, e esse ambiente passa, obrigatoriamente, pelo cuidado com as jornadas de trabalho a que estão expostos os trabalhadores.

 

 

Diogo Antonio Pereira Miranda

Sócio do escritório Stürmer, Corrêa da Silva, Jaeger & Spindler dos Santos

Advogado Trabalhista

Mestre em Direito pela PUC/RS

 


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