Artigos Postado no dia: 4 julho, 2025

Flexibilidade com direitos e transparência algorítmica: O que o Brasil pode aprender com o México e com o avulso?

Eduardo Suárez de Puga do Nascimento

Advogado Trabalhista do escritório Stürmer, Corrêa da Silva, Jaeger & Spindler dos Santos Advogados

 

A figura do trabalhador avulso, consolidada na legislação brasileira, apresenta pontos de contato relevantes com o modelo de trabalhador de plataforma digital trazido pela recente legislação mexicana, especialmente no que diz respeito àqueles trabalhadores que recebem menos de um salário-mínimo mensal e, por isso, não têm o vínculo empregatício reconhecido. No Brasil, o trabalhador avulso é aquele que presta serviços de natureza urbana ou rural a diversas empresas, sem vínculo empregatício, sendo a intermediação feita obrigatoriamente por sindicato ou órgão gestor de mão de obra. Essa modalidade, prevista na Lei 12.023/2009 e protegida constitucionalmente, garante ao trabalhador avulso direitos equiparados aos do empregado com carteira assinada, como férias, décimo terceiro salário, FGTS, repouso semanal remunerado e proteção previdenciária, mesmo sem a existência de um empregador único e de subordinação direta.

No México, a lei das plataformas digitais criou uma categoria de trabalhador independente para aqueles que, ao final do mês, não atingem o patamar de um salário-mínimo. Nessa hipótese, o trabalhador de plataforma não é considerado empregado formal, mas, durante o tempo efetivamente trabalhado, faz jus a direitos proporcionais, como pagamento de férias, décimo terceiro e descanso semanal, já embutidos no valor de cada tarefa realizada. Não há, contudo, obrigação de inscrição no regime de seguridade social nem recolhimento para o fundo habitacional, salvo em caso de acidente de trabalho. A relação é flexível, com liberdade para o trabalhador definir horários e aceitar ou recusar tarefas, e se encerra automaticamente após trinta dias de inatividade, sem ônus para a plataforma.

A semelhança entre essas duas figuras é marcante. Ambas se caracterizam pela prestação de serviços a múltiplos tomadores, sem vínculo empregatício tradicional, com autonomia para definir jornadas e aceitar tarefas conforme a demanda. Em ambos os casos, há um intermediador – sindicato ou OGMO no Brasil, plataforma digital no México – que conecta o trabalhador aos tomadores de serviço ou clientes finais. O pagamento dos direitos trabalhistas se dá de forma proporcional ao trabalho efetivamente realizado, sem a necessidade de reconhecimento de vínculo formal, o que confere flexibilidade tanto para o trabalhador quanto para o mercado.

Diante desse cenário, a experiência mexicana pode servir de inspiração para o Brasil na regulamentação do trabalho por plataformas digitais. Aproveitar a estrutura já consolidada do trabalhador avulso, adaptando-a às particularidades do trabalho mediado por aplicativos, permitiria oferecer proteção social e trabalhista sem impor o vínculo empregatício tradicional, que muitas vezes não se ajusta à dinâmica desse tipo de atividade. Aspectos inovadores da lei mexicana, como a transparência algorítmica – que exige a divulgação dos critérios de distribuição de tarefas e avaliação de desempenho – e mecanismos de contestação contra bloqueios e penalidades automáticas, poderiam ser incorporados ao modelo brasileiro, garantindo maior equilíbrio na relação entre plataformas e trabalhadores.

Assim, a solução para os trabalhadores de plataformas digitais no Brasil pode ser construída a partir da figura do trabalhador avulso, já reconhecida e protegida em nosso ordenamento, agregando as inovações trazidas pela legislação mexicana. Isso permitiria assegurar direitos fundamentais, flexibilidade operacional e mecanismos de proteção específicos para o contexto digital, sem a necessidade de reconhecer o vínculo empregatício, mas garantindo dignidade e segurança jurídica para quem trabalha sob demanda na economia de plataformas.

 

Referências

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 26 jun. 2025.

BRASIL. Lei nº 12.023, de 27 de agosto de 2009. Dispõe sobre o trabalhador avulso. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12023.htm. Acesso em: 26 jun. 2025.

BRASIL DE FATO. Senado mexicano aprova reforma que regulamenta o trabalho em plataformas digitais. 2024. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2024/12/13/senado-mexicano-aprova-reforma-que-regulamenta-o-trabalho-em-plataformas-digitais/. Acesso em: 26 jun. 2025.

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IHU UNISINOS. México: os uberizados podem vencer. 2024. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/647229-mexico-os-uberizados-podem-vencer. Acesso em: 26 jun. 2025.

LACIER. O Trabalho Avulso Urbano e Rural – Lei 12.023/09. Disponível em: http://lacier.com.br/cursos/artigos/periodicos/O%20Trabalho%20Avulso%20Urbano%20e%20Rural%20-%20Lei%2012.023-09.pdf. Acesso em: 26 jun. 2025.

MIGALHAS. Trabalho em aplicativos e a analogia com o trabalho portuário. 2022. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/358348/trabalho-em-aplicativos-e-a-analogia-com-o-trabalho-portuario. Acesso em: 26 jun. 2025.

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