
A criação do contrato de trabalho intermitente pela Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/2017) provocou intensos debates na sociedade brasileira. Para muitos, esse novo modelo representou um avanço na modernização das relações de trabalho, enquanto outros o enxergaram como instrumento de precarização. No entanto, um olhar pragmático e realista permite defender que a regulamentação do trabalho intermitente não apenas reconhece uma prática já existente de forma difusa e informal, como também oferece uma via de inclusão com garantias mínimas para trabalhadores historicamente à margem da legislação trabalhista.
O trabalho intermitente é aquele no qual a prestação de serviços ocorre com alternância de períodos de inatividade e atividade, mediante convocação prévia do empregador. Nesse modelo, o trabalhador recebe apenas pelas horas ou dias efetivamente trabalhados, mantendo, contudo, o vínculo empregatício e o acesso a direitos fundamentais, como férias proporcionais, 13º salário, FGTS e INSS, tudo calculado proporcionalmente.
Antes mesmo de sua formalização jurídica, a realidade brasileira já abrigava milhões de trabalhadores submetidos a esse tipo de dinâmica. Profissionais da área de eventos, garçons, músicos, promotores de vendas, entre tantos outros, sempre prestaram serviços de maneira intermitente, muitas vezes sem qualquer registro, proteção ou vínculo reconhecido. A informalidade, nesse contexto, não era exceção, era a regra.
Nesse sentido, a legislação veio para reconhecer juridicamente algo que já existia socialmente, com o objetivo de trazer um mínimo de estrutura legal. Criticar o contrato intermitente como se fosse uma “invenção neoliberal” que substitui empregos formais ignora o pano de fundo da informalidade e da subutilização da força de trabalho no Brasil. O risco maior não está na regulamentação, mas na ausência dela. Se o Estado se omite, os trabalhadores continuarão em situação de vulnerabilidade, sem qualquer acesso aos mecanismos de proteção social garantidos pela Constituição de 1988.
Obviamente, a regulamentação do trabalho intermitente não é perfeita. Há desafios quanto ao controle de jornadas, à previsibilidade de renda e à dificuldade de planejamento do trabalhador. No entanto, são problemas que não podem ser usados como justificativa para rejeitar completamente o modelo. Ao contrário, devem ser enfrentados com ajustes legislativos, negociações coletivas e ações de fiscalização do Ministério do Trabalho. É melhor ter um ponto de partida legal do que continuar em um limbo jurídico que empurra milhões de brasileiros para a informalidade absoluta.
Ademais, o contrato intermitente pode funcionar como porta de entrada para o mercado formal. Jovens sem experiência, trabalhadores com baixa qualificação ou pessoas que precisam de maior flexibilidade de horário, como estudantes e cuidadores, podem se beneficiar de um regime que permite conciliar múltiplas atividades e ainda contar com algum grau de proteção trabalhista. A crítica de que esse modelo impede o acesso a empregos com maior estabilidade parte de uma visão idealizada da realidade econômica brasileira, onde nem sempre há vagas formais disponíveis para todos.
Naturalmente, a implementação do trabalho intermitente precisa ser acompanhada de políticas que coíbam abusos. Empresas que utilizam esse modelo para fraudar vínculos tradicionais ou substituir trabalhadores regulares por intermitentes de forma sistemática devem ser responsabilizadas. Mas esse controle se faz com fiscalização e interpretação responsável da lei, não com o apagamento de um instrumento que pode, se bem aplicado, ajudar a reduzir a informalidade.
A regulação desse contrato, portanto, está longe de ser um retrocesso: representa uma tentativa de incluir, no sistema legal, formas de prestação de serviços que já ocorrem há décadas no Brasil. Ignorar essa realidade seria abandonar milhões de trabalhadores à própria sorte. O desafio não é revogar o contrato intermitente, mas aprimorá-lo, com diálogo social, transparência e respeito à dignidade do trabalhador. Em tempos de transformações profundas no mundo do trabalho, regular é incluir. E incluir é proteger.
Diogo Antonio Pereira Miranda
Sócio do escritório Stürmer, Corrêa da Silva, Jaeger & Spindler dos Santos Advogados
Advogado Trabalhista