Artigos Postado no dia: 23 maio, 2025

A possibilidade de retificação de registro civil para redesignação de gênero neutro

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em recente julgamento unânime, datado de 06/05/2025, reconheceu o direito ao livre desenvolvimento da personalidade da pessoa transgênero não binária de se autodeterminar, possibilitando-se a retificação do registro civil para que conste gênero neutro.

O processo, que está em segredo de justiça, teve como relatora a ministra Nancy Andrighi e como cerne da controvérsia a possibilidade ou não de retificação do registro civil para redesignação de gênero neutro.

De acordo com o julgado, o princípio do livre desenvolvimento da personalidade garante a autonomia para a determinação de uma personalidade livre, sem interferência do Estado ou de particulares e, o direito à autodeterminação de gênero e à identidade sexual, tutelado através da cláusula geral de proteção à personalidade presente no art. 12 do CC, está intimamente relacionado ao livre desenvolvimento da personalidade e da possibilidade de todo ser humano autodeterminar-se e escolher livremente as circunstâncias que dão sentido a sua existência.

A evolução jurisprudencial que culminou nas alterações legislativas até então vigentes no ordenamento jurídico brasileiro resultou na possibilidade jurídica de pessoas transgêneras requererem extrajudicialmente a alteração de prenome e gênero de acordo com sua autoidentificação; no entanto, referidas alterações, até agora, levaram em conta somente a lógica binária de gênero masculino/feminino, uma vez que representam a normatividade padrão esperada pela sociedade, mesmo tratando-se de pessoas transgêneras, ou seja, excluindo o gênero neutro.

Isso porquê, embora não se verifique norma específica no ordenamento jurídico brasileiro que regule a alteração do assento de nascimento para inclusão de gênero neutro, de acordo com a decisão não haveria razão jurídica para distinguir entre transgêneros binários e transgêneros não – binários, motivo pelo qual seria incongruente admitir-se posicionamento diverso para a hipótese de transgeneridade binária e não-binária, uma vez que em ambas as experiências há dissonância com o gênero que foi atribuído ao nascimento, devendo prevalecer a identidade autopercebida do sujeito, como reflexo da autonomia privada e expressão máxima da dignidade humana.

Nesse contexto, a lacuna legislativa não tem o condão de fazer com que o fato social da transgeneridade não-binária fique sem solução jurídica, sendo aplicável em tais casos o disposto nos arts. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e 140 do CPC, pois a falta de específica norma regulamentar de um direito não deve ser confundida com a ausência do próprio direito, motivo pelo qual é de ser reconhecido o direito ao livre desenvolvimento da personalidade da pessoa transgênera não-binária de autodeterminar-se, possibilitando-se a retificação do registro civil para que conste gênero neutro.


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