Apesar da relação entre empregado e empregador ser essencialmente sinalagmática, a existência de uma reciprocidade de obrigações entre as partes não pode ser limitada a mão de obra e a contraprestação financeira.
A busca por altos rendimentos econômicos, bem como complementações salariais, influencia diretamente na reinvindicação e/ou implementação de melhorias nos ambientes de trabalho e, consequentemente, na evolução legislativa relativa ao direito à saúde do trabalhador.
Apesar da Constituição de 1934 ser a primeira a referir à assistência médica e sanitária como direito do trabalhador, o adicional de insalubridade passou a fazer parte da legislação brasileira por meio da Lei nº 185/1936, porém, de forma bastante diferente dos termos atuais. Acreditando-se que pessoas bem alimentadas seriam mais resistentes as doenças acarretadas pelo trabalho, o principal objetivo do adicional era auxiliar os trabalhadores na aquisição de comida.
No entanto, a constante transformação da ordem trabalhista, em sintonia com as mutações socioeconômicas, culminou em constantes modificações legais, alterando o objetivo do adicional.
Dentre estas modificações, a Lei nº 6.514/1977 trouxe alterações ao Capítulo V do Titulo II da Consolidação das Leis do Trabalho de 1943, relativo à segurança e medicina do trabalho, em especial, a inclusão dos graus de classificação da insalubridade e respectivos percentuais (art. 192), bem como a atribuição ao Ministério do Trabalho à aprovação de quadro de atividades e operações insalubres e adoção de normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade (art. 190).
Diante das vinte e oito Normas Regulamentadoras oriundas da Portaria nº 3.214/78, a criação do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (NR 04), bem como indicação de agentes insalubres, limites de tolerância e os critérios técnicos e legais para avaliar e caracterizar as atividades e operações insalubres e o adicional (quando houver) devido para cada caso (NR 15), representam algumas das principais normas que promovem a saúde e proteção da integridade do trabalhador no local do trabalho no Brasil.
Apesar de alteradas nos últimos anos, tanto para fazer frente à evolução dos métodos produtivos e relações do trabalho, quanto para adequar-se às Convenções da OIT ratificadas pela Brasil, a relação de agentes insalubres e respectivos limites dispostos na NR-15 não recebeu nenhuma atualização significativa nos últimos 39 anos, sendo insuficiente para prever, efetivamente, quando o trabalhador está expondo sua saúde em risco.
Ainda que a Constituição de 1988 tenha alterado significativamente a orientação das normas constitucionais anteriores, assegurando que o trabalhador tem direito à “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (art. 7, XXII), este compromisso também é de toda a sociedade, o que é confirmado pelo confronto entre os art. 200, VIII, e 225, caput, da Carta Magna.
No entanto, a constante mudança do comportamento social acaba por acentuar o descompasso entre a conduta prescrita na norma e a realidade dos ambientes de trabalho, retardando qualquer melhoria da legislação pré-existente.
Apesar da intenção de que esses direitos convergissem para assegurar a saúde e segurança do trabalho, a monetização dos riscos acabou se sobressaindo em detrimento da melhoria do meio ambiente do trabalho.
Desta forma, o desejo do trabalhador em receber a compensação financeira contribui para uma aplicação errada do adicional de insalubridade, visto que deveria perdurar somente até o alcance de um meio ambiente do trabalho livre de riscos. Até mesmo as entidades sindicais passaram a se mobilizar pela obtenção da “vantagem”, em vez de lutarem pela eliminação dos riscos.
A falta de unidade na atuação do Estado para solucionar os problemas relacionados à saúde do trabalhador também contribui para falta de efetividade das normas protetivas. A existência de inúmeros órgãos que zelem pelo trabalho, saúde e previdência social nos diversos âmbitos da federação acaba por dissipar esta responsabilidade, uma vez que não há uma atuação sincronizada.
Resta ao Poder Público o desafio de trazer limites quantitativos para os agentes insalubres previstos na NR-15, bem como relacionar os EPI’s efetivamente capazes de elimina-los e/ou neutraliza-los, uma vez que a ausência de previsão normativa termina por aproximar higienistas e peritos de uma análise qualitativa da insalubridade equivocada, gerando inúmeras controvérsias.
Assim, a melhor resolução para esse impasse é estabelecer em lei o emprego dos limites de tolerância para todos os agentes insalubres previstos na NR-15, tais como os publicados anualmente pela ACGIH (American Conference of Governmental Industrial Hygienists), devendo os mesmos serem efetivamente revisados pelo Poder Público, com auxílio da FUNDACENTRO.
Ainda, cabe ao Poder Judiciário maior atenção à exigência de boas práticas de Higiene Ocupacional nos serviços de perícia judicial, a fim de extinguir laudos sem nenhum compromisso com análise das efetivas condições de trabalho.
O avanço abre perspectiva para que combinação semelhante seja reproduzida para os outros agentes contemplados pelas demais normas regulamentadoras, a fim de que as atualizações possam contribuir para que o PPRA retrate fielmente as condições de trabalho, enfatizando o seu foco no fortalecimento da prevenção.
A incorporação da prevenção de forma mais explicita na lei tem papel fundamental na valorização da proteção dos trabalhadores. A criação de novos anexos aos agentes ambientais já existentes visa, eminentemente, detalhar procedimentos de avaliação dos riscos e a aplicação de medidas preventivas e corretivas, a fim de afastar a necessidade do pagamento de adicional de insalubridade e/ou aposentadoria especial precoce.
Todavia, independente da manutenção ou não dos adicionais, o principal desafio para a maior proteção dos trabalhadores passa por uma mudança cultural.
Reitera-se que também é papel do legislador estabelecer que questões da segurança, higiene e saúde do trabalhador sejam desenvolvidas como uma prática educativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades de ensino formal, uma vez que a proteção do meio ambiente também engloba o local de trabalho, como prevê o art. 200, VIII, da Constituição de 1988.
A adoção de outros princípios esquecidos, como é o caso do Princípio da Participação, reforça a atuação conjunta, de forma tripartite entre Estado, empregadores e empregados numa verdadeira força-tarefa participativa na busca da melhoria das condições de trabalho.
Tal medida resultará em mudanças legislativas e, principalmente, culturais, essenciais para colocar a saúde a frente da ilusão de vantagem econômica decorrente da percepção do adicional de insalubridade.
Maria Cristina Salles Tellechea
Coordenadora Trabalhista do escritório Stürmer, Corrêa da Silva, Jaeger & Spindler dos Santos
Mestranda em Direito pela PUC/RS.