
A gratuidade da justiça é um dos instrumentos mais relevantes de efetivação do acesso à jurisdição, direito fundamental assegurado pelo art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal. Na Justiça do Trabalho, o tema assume destaque especial, pois grande parte dos litigantes são trabalhadores que, em regra, encontram-se em posição de vulnerabilidade econômica diante de seus empregadores. A Reforma Trabalhista de 2017, contudo, alterou esse cenário ao instituir a sucumbência recíproca e restringir de forma mais rigorosa a concessão da gratuidade, o que gerou insegurança e receio no exercício do direito de ação. Muitos trabalhadores passaram a desistir de buscar a tutela jurisdicional diante da possibilidade de condenação em custas e honorários advocatícios, mesmo quando obtinham êxito parcial.
Esse quadro foi parcialmente revisto em 2021, quando o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.766, afastou a cobrança de honorários sucumbenciais dos beneficiários da justiça gratuita. Em rigor, não houve exclusão definitiva dessa parcela, mas apenas a suspensão da sua exigibilidade por dois anos. Na prática, entretanto, é seguro afirmar que a imensa maioria dos beneficiários não terá de arcar com esses valores.
Quanto às limitações impostas para a concessão do benefício, a discussão seguiu no Tribunal Superior do Trabalho. Em 14 de outubro de 2024, esse órgão julgou o Incidente de Recurso de Revista Repetitivo nº 21, fixando tese de grande impacto prático, ainda não transitada em julgado e atualmente em discussão no Supremo Tribunal Federal via Recurso Extraordinário. O TST firmou entendimento de que a simples declaração de hipossuficiência econômica é suficiente para a concessão da gratuidade, ressalvada a possibilidade de prova em contrário, inclusive para aqueles que percebem salários superiores a 40% do teto dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social. Já para os que recebem até 40% desse limite, a concessão independe de requerimento expresso: o juiz tem o poder-dever de deferi-la.
Essa orientação aproxima o processo do trabalho do que já se encontra consolidado no Processo Civil, especialmente com base no art. 99, §3º, do CPC, que consagra a presunção relativa da declaração de insuficiência de recursos. A decisão devolveu amplitude ao instituto e buscou atenuar os efeitos restritivos da Lei nº 13.467/2017, garantindo maior proteção ao trabalhador que, muitas vezes, se via afastado da jurisdição pelo temor dos custos processuais.
É inegável que a decisão do TST tem relevância social e representa avanço na efetivação do princípio da inafastabilidade da jurisdição. A presunção de hipossuficiência em favor do trabalhador confere maior efetividade à função social da Justiça do Trabalho, permitindo que o empregado desempregado, subempregado ou de baixa renda possa propor ação sem receio de ser condenado a custas e honorários que não teria condições de suportar. Nesse sentido, a tese reafirma a centralidade da proteção ao hipossuficiente e resgata a essência protetiva do processo laboral.
Por outro lado, é igualmente necessário reconhecer que a gratuidade da justiça não pode ser concedida de forma indiscriminada. A declaração de pobreza goza de presunção, mas esta é relativa e pode ser afastada quando a parte contrária demonstrar que o requerente não se encontra em situação de vulnerabilidade econômica. Cabe ao julgador estar aberto a acolher tais demonstrações, evitando que o benefício seja utilizado de modo abusivo por litigantes que, na realidade, não necessitam dele. Seria manifestamente irrazoável que alguém com elevado padrão de vida, possuidor de patrimônio significativo e renda substancial, fosse agraciado com a gratuidade nos mesmos moldes daquele que depende integralmente do salário para sua subsistência.
Nesse ponto, a decisão do TST deve ser interpretada com a devida cautela. A ampliação da gratuidade é medida necessária e coerente com a Constituição, mas o deferimento não pode ser automático a ponto de se transformar em um salvo-conduto para qualquer parte, independentemente de sua condição real. É fundamental que os juízes analisem com atenção eventuais impugnações, de modo a verificar se a declaração de hipossuficiência é compatível com a situação concreta. Dessa forma, preserva-se o equilíbrio processual: de um lado, assegura-se o acesso à justiça aos que dele realmente necessitam; de outro, evitam-se distorções que desvirtuem a finalidade do instituto.
O desafio prático que se impõe, portanto, é construir critérios objetivos que permitam distinguir as situações em que a gratuidade deve ser deferida daquelas em que não se justifica sua concessão. A observância da boa-fé processual já se mostra um filtro relevante, mas é desejável que a jurisprudência estabeleça parâmetros mais claros, prevenindo tanto o indeferimento indevido, que inviabiliza o acesso à justiça, quanto o deferimento abusivo, que compromete a isonomia processual.
O equilíbrio entre acesso à justiça e prevenção de abusos é, em última análise, o caminho para que a gratuidade continue a cumprir seu papel essencial no processo do trabalho.